Por que o charme do passado ainda encanta quem visita o interior
Há algo de profundamente acolhedor em caminhar por ruas de pedra, ladeadas por casarões antigos, onde o tempo parece seguir um ritmo diferente. Em Santa Catarina, esse encanto se mantém vivo em diversas cidades e vilarejos que preservam, com orgulho, sua arquitetura centenária e o traçado urbano original do início do século XX.
Esses lugares não são apenas bonitos — eles são repositórios vivos de história. As pedras que forram o chão foram colocadas manualmente por trabalhadores há mais de cem anos. Os casarões, com seus telhados inclinados, janelas de madeira e porões de pedra, abrigaram famílias, negócios e momentos marcantes da formação social e cultural do estado.
Visitar esses espaços é mais do que turismo. É um mergulho na memória coletiva, uma forma de conectar-se com os modos de vida de nossos antepassados e valorizar a riqueza de um patrimônio que resiste à modernização desenfreada. Em cada beco de pedra, em cada sacada de ferro forjado, há uma história esperando para ser contada — e sentida.
O que caracteriza uma vila ou centro histórico preservado
A preservação de um espaço urbano não se resume à manutenção de suas construções. Trata-se de manter viva a alma daquele lugar — seus sons, sua lógica de ocupação, seu ritmo. Em centros históricos bem conservados, tudo colabora para uma experiência de imersão: desde o calçamento até a maneira como as casas se distribuem ao redor da praça central.
Calçamento de pedra irregular ou pé-de-moleque
As ruas de pedra são marcas inconfundíveis dos centros históricos. Com suas irregularidades e encaixes manuais, elas resistem ao tempo e ao trânsito moderno. Em muitos lugares, o chamado “pé-de-moleque” — um tipo de calçamento com pedras arredondadas assentadas em argila — ainda pode ser encontrado, oferecendo uma textura única à caminhada.
Fachadas originais com janelas de madeira, porões, sacadas e beirais
Os casarões preservados mantêm elementos arquitetônicos típicos do século XIX e início do XX: janelas em madeira com venezianas, beirais trabalhados, sacadas com guarda-corpo em ferro fundido ou madeira, telhados em duas águas e porões de pedra usados como depósito ou loja. Cada detalhe expressa o modo de vida da época, com influências açorianas, germânicas e italianas.
Igrejas, praças e coretos como elementos centrais da vida social antiga
O coração das vilas históricas era (e muitas vezes ainda é) a praça principal. Ali se concentravam a igreja, a escola, o coreto e as lojas mais importantes. Esses espaços continuam sendo pontos de encontro e referência para moradores e visitantes. Caminhar por essas áreas é sentir a pulsação de um tempo em que as relações eram mais próximas e o espaço público era extensão do lar.
7 lugares para sentir a história sob os pés em Santa Catarina
São Francisco do Sul
Centro histórico tombado com calçadas originais e casarões coloridos
Fundada em 1504, São Francisco do Sul é a terceira cidade mais antiga do Brasil. Seu centro histórico é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e caminhar por suas ruas de pedra é como abrir um livro de história ao ar livre. Casarões coloridos com grandes janelas, portas duplas e varandas floridas dominam a paisagem urbana.
Vista para a Baía da Babitonga e clima de vila colonial
Ao andar pelo calçamento da Rua Babitonga ou da Rua Coronel Oliveira, o visitante avista a baía emoldurada por barcos e vegetação. A cidade combina o charme colonial com a presença marcante da cultura litorânea, oferecendo um cenário fotográfico e nostálgico.
Laguna
Casarões do século XIX, praças históricas e ruas de pedra
Laguna é símbolo da história republicana brasileira e cidade natal de Anita Garibaldi. Seu centro histórico mantém ruas de pedra e uma série de casarões preservados que datam do século XIX. Entre os mais icônicos estão o sobrado que abriga o Museu Anita Garibaldi e as casas coloridas da Rua Jerônimo Coelho.
Tradição açoriana e arquitetura luso-brasileira
A influência portuguesa é marcante na arquitetura e no traçado urbano. A Igreja Matriz Santo Antônio dos Anjos, de 1735, é um exemplo da religiosidade açoriana que ainda pulsa na cidade. O entorno da Praça Vidal Ramos é perfeito para um passeio lento, com o som do mar ao fundo e o vento salgado que atravessa as ruas estreitas.
Santo Antônio de Lisboa (Florianópolis)
Bairro açoriano com ruas de pedra, casinhas brancas e igrejas antigas
No norte da Ilha de Santa Catarina, o bairro de Santo Antônio de Lisboa é um tesouro preservado. Caminhar por suas ruelas de pedra, ladeadas por casinhas brancas com portas coloridas, é uma experiência poética. O calçamento original foi mantido em vários trechos, e os moradores cultivam hortas, flores e hábitos que remontam ao século XIX.
Gastronomia e artesanato em meio ao casario preservado
Além do cenário encantador, Santo Antônio oferece ateliês de cerâmica, restaurantes à beira-mar com frutos do mar frescos e festividades típicas. A Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, datada de 1756, é o ponto mais alto do bairro e oferece uma vista privilegiada da baía norte.
São Joaquim
Ruas de pedra e arquitetura serrana preservada
Localizada na Serra Catarinense, São Joaquim guarda traços da colonização portuguesa e italiana em sua arquitetura. O frio intenso, as paisagens montanhosas e os vinhedos dão à cidade uma atmosfera europeia. As ruas próximas à Praça João Ribeiro e à Igreja Matriz são pavimentadas com pedra e ladeadas por construções históricas.
Cenário rural com forte influência portuguesa e italiana
Os casarões de madeira e alvenaria, os galpões antigos e as escolas rurais compõem o charme de São Joaquim. Em épocas de nevasca, o contraste entre a arquitetura centenária e a neve transforma a cidade em um cenário cinematográfico.
Lages (bairro Brusque)
Antigo núcleo com calçamento de pedra e casas do ciclo da madeira
No bairro Brusque, em Lages, ainda é possível caminhar sobre trechos de calçamento de pedra utilizados desde o final do século XIX. A cidade, importante durante o ciclo da madeira e da pecuária, mantém casarões e armazéns do período em que os tropeiros movimentavam a economia serrana.
Ambientes que lembram a Lages de 1900
Próximo à Catedral Diocesana e ao Colégio Vidal Ramos, o visitante encontra edifícios públicos e privados construídos em estilo eclético, com ornamentos clássicos e estruturas robustas. A visita se torna ainda mais completa com uma parada no Museu Thiago de Castro, que abriga documentos e objetos da Lages antiga.
Rancho Queimado
Centro com traçado antigo, casa do governador e igrejas centenárias
Rancho Queimado, na Serra do Tabuleiro, é famosa por ter sido a residência de verão do ex-governador Hercílio Luz. A Casa do Governador é um dos atrativos principais da cidade, junto com as igrejas centenárias e os caminhos de pedra que ligam as comunidades do interior ao centro.
Ruas estreitas de pedra e construções em estilo colonial
O casario do centro, a praça principal e os caminhos entre sítios conservam o traçado da época colonial. A cidade é muito procurada por quem deseja turismo de contemplação, gastronomia rural e paisagens naturais preservadas.
Pomerode (Bairro Testo Alto)
Caminhos de pedra entre casas em enxaimel do início do século XX
Pomerode é a cidade mais alemã do Brasil e mantém com esmero suas tradições culturais e arquitetônicas. No bairro Testo Alto, o visitante pode caminhar por caminhos de pedra ladeados por casas em enxaimel que datam de 1900. Muitas delas estão habitadas por descendentes dos primeiros colonos.
Trilhas culturais em meio a jardins e rios
Além da beleza arquitetônica, o bairro oferece trilhas culturais que passam por pequenos museus familiares, jardins floridos, hortas e rios límpidos. É uma experiência de imersão na cultura germânica, onde cada detalhe é preservado com orgulho.
Como aproveitar melhor a visita a esses lugares históricos
Calçados confortáveis, câmera na mão e tempo para conversar com os moradores
A caminhada por calçamentos de pedra exige calçado adequado, com solado resistente e confortável. Evite pressa: esses lugares pedem um ritmo mais lento, que permita observar fachadas, detalhes de janelas e ouvir histórias contadas pelos moradores — muitos dos quais são descendentes diretos de quem construiu esses espaços.
Combine com museus, cafés coloniais e feiras de artesanato
Muitos centros históricos oferecem experiências complementares como visitas guiadas, pequenos museus, igrejas abertas à visitação, cafés coloniais e feiras de produtos artesanais. Essas atividades ajudam a aprofundar a compreensão sobre a cultura local e tornam a visita mais rica e prazerosa.
Preservar para reviver: a importância do turismo de memória
Caminhar por ruas de pedra e entre casarões preservados é mais do que uma atividade turística: é um ato de reverência à história. Esses lugares resistiram ao tempo, às mudanças econômicas e aos modismos arquitetônicos, graças ao cuidado de comunidades que valorizam suas origens.
O visitante consciente, ao percorrer esses caminhos, se torna também guardião da memória. Ao fotografar com respeito, comprar produtos locais, conversar com os moradores e divulgar essas rotas, ele contribui para que esse patrimônio siga vivo — não como peça de museu, mas como parte pulsante do presente.
Em Santa Catarina, há muitos lugares onde o passado ainda pode ser vivido com os próprios pés. Basta calçar um bom sapato, abrir os olhos e deixar o coração seguir pelos caminhos de pedra. Porque ali, entre beirais e paralelepípedos, ainda ecoam os passos de quem fez da história uma caminhada.