Onde encontrar arte sacra afro-brasileira preservada em igrejas históricas

Santa Catarina preserva, em suas igrejas centenárias, testemunhos de uma história complexa, marcada tanto pela violência da escravização quanto pela resistência e pela criatividade dos povos afrodescendentes. Esses espaços guardam expressões artísticas que revelam a presença negra no desenvolvimento cultural e espiritual do estado.

Descobrir onde encontrar arte sacra afro-brasileira preservada em igrejas históricas de SC é mais do que uma viagem pela estética religiosa. É um mergulho em símbolos, traços, entalhes e imagens que carregam memórias, dores e resistências de um povo que, mesmo subjugado, deixou sua marca indelével.

Essa herança, muitas vezes invisibilizada nas narrativas oficiais, se revela em altares, imagens, retábulos e detalhes esculpidos que unem o catolicismo imposto à espiritualidade e à expressão cultural afro-brasileira.

A presença afro-brasileira na arte sacra catarinense

Uma expressão forjada na resistência

Durante os séculos de escravização no Brasil, homens e mulheres negras, forçados a trabalhar nas construções e ornamentações de igrejas, imprimiram seus saberes, técnicas e espiritualidade na arte sacra produzida no período colonial.

Estética, simbologia e sincretismo

A arte sacra afro-brasileira em Santa Catarina é resultado do cruzamento entre o barroco católico e elementos da cultura africana. Expressa-se nas feições dos santos, na escolha dos materiais, nas técnicas de entalhe e nas soluções estéticas que refletem a herança africana.

Invisibilização e resistência estética

Apesar de estar presente em várias igrejas históricas, essa arte foi, muitas vezes, invisibilizada. As contribuições negras foram apropriadas sem reconhecimento, e os elementos que explicitamente remetiam às matrizes africanas foram suprimidos ou reinterpretados à luz da doutrina europeia.

Onde encontrar arte sacra afro-brasileira preservada em igrejas históricas de SC

Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito – Florianópolis

História do templo

  • Fundação: Século XVIII, construída por irmandades de pessoas negras, livres e libertas.
  • Localização: Centro histórico de Florianópolis, próxima à Catedral Metropolitana.
  • Importância: É um dos templos mais representativos da presença negra na capital catarinense.

Expressões da arte sacra afro-brasileira

  • Altares esculpidos por mãos negras: Com entalhes que mesclam o barroco europeu às influências africanas nas formas e desenhos.
  • Imagens de santos negros: Destaque para São Benedito e Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, ambos com feições e características afrodescendentes.
  • Simbolismos ocultos: Elementos de flora e fauna que remetem aos saberes ancestrais africanos, como folhas e animais representados nas laterais dos retábulos.

Atividades culturais e religiosas

Além de ser espaço de culto, abriga festas tradicionais como a de São Benedito e o Rosário dos Pretos, manifestações que preservam não só a fé, mas também a memória cultural afro-catarinense.

Igreja de São Benedito – Lages

Marco da presença negra no planalto serrano

  • Fundação: Fim do século XIX, vinculada à Irmandade de São Benedito formada pela comunidade negra de Lages.
  • Contexto: Refúgio espiritual em uma cidade marcada pela exploração de mão de obra escravizada no tropeirismo e nas fazendas.

Elementos artísticos preservados

  • Altares com estética popular afrodescendente: Madeiras trabalhadas, pintura manual com cores vivas, ausência dos dourados tradicionais do barroco, reforçando a estética desenvolvida por comunidades negras locais.
  • Imagens de santos com traços africanos: Representações de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário que expressam a corporeidade negra com orgulho e dignidade.
  • Pinturas murais e detalhes simbólicos: Representações de estrelas, luas e elementos da natureza que possuem conexão com cosmologias africanas.

Manifestações culturais

A igreja é centro de encontros culturais, missas afro, congadas e celebrações que mantêm viva a memória e a espiritualidade afro-brasileira na região serrana.

Igreja de São Sebastião dos Pretos – São Francisco do Sul

Um dos templos mais antigos vinculados à comunidade negra

  • Fundação: Meados do século XVIII, ligada à Irmandade dos Homens Pretos da cidade.
  • Localização: Centro histórico de São Francisco do Sul, uma das cidades mais antigas do estado.

Arte sacra de resistência

  • Altares simples, mas profundamente simbólicos: Elementos em madeira com traços que destoam da estética barroca tradicional, revelando soluções estéticas afrodescendentes.
  • Imagens negras de devoção: São Sebastião, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário com feições claramente afro, preservadas e cuidadas pela comunidade até hoje.
  • Detalhes arquitetônicos: Entalhes de símbolos como folhas, raízes e animais que remetem ao mundo simbólico das matrizes africanas.

Espaço de memória e cultura

Além das atividades religiosas, o espaço é utilizado para encontros de grupos culturais, rodas de conversa sobre história e preservação da cultura afrodescendente.

Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos – Laguna

Patrimônio da comunidade negra do litoral sul

  • Origem: Século XVIII, construída por homens e mulheres negras escravizadas e libertas.
  • Papel: Espaço de culto e resistência espiritual em meio à opressão do período colonial.

Arte sacra afro-brasileira presente

  • Altares construídos artesanalmente: Madeira entalhada sem rebuscamento europeu, mas com forte presença estética afro, principalmente nas formas arredondadas e nas linhas orgânicas.
  • Imagens com feições negras: Destaque para Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, que representam os devotos que ergueram o templo.
  • Símbolos ancestrais discretos: Elementos decorativos que remetem à água, aos peixes, às folhas e aos ciclos da natureza, fundamentais na cosmologia afro.

Preservação da cultura

Ainda hoje, mantém tradições como a Festa do Rosário, procissões, danças e cânticos de origem afro-brasileira, que são manifestações vivas de resistência cultural.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos – Itajaí

Refúgio espiritual e cultural

  • Fundação: Século XIX, associada à irmandade de negros livres e libertos da região do Vale do Itajaí.
  • Contexto: Importante ponto de preservação da religiosidade afro-brasileira em meio a uma cidade portuária marcada por profundas desigualdades sociais.

Elementos artísticos

  • Altares e retábulos com traços populares: Feitos com recursos locais, sem os excessos do barroco europeu, mas com riqueza de detalhes nas formas vegetais e animais.
  • Imagens de santos negros: Fiel representação dos devotos que ergueram o espaço, conferindo dignidade e humanidade às figuras santificadas.
  • Detalhes arquitetônicos: Portas, janelas e molduras com entalhes em espiral, estrelas, folhas e padrões inspirados em matrizes culturais africanas.

Atividades de preservação

Além das celebrações religiosas, a igreja é espaço de encontros culturais, oficinas de história afro-brasileira, contação de histórias e rodas de capoeira.

A simbologia da arte sacra afro-brasileira em SC

Resistência em forma de arte

Cada altar, cada imagem, cada detalhe arquitetônico ou entalhe carrega não só a expressão da fé, mas também uma afirmação da humanidade, da dignidade e da resistência de um povo que, mesmo submetido à violência da escravização, nunca deixou de produzir beleza, espiritualidade e cultura.

Saberes ancestrais incorporados

  • Elementos da natureza: Representações de folhas, raízes, animais e ciclos da vida aparecem como formas de preservar e manifestar cosmologias africanas dentro dos templos católicos.
  • Cores e formas: Uso de paletas cromáticas mais vivas, formas arredondadas, espirais e linhas orgânicas que destoam da rigidez barroca europeia e refletem estética e espiritualidade africana.
  • Sincretismo consciente: As imagens de santos são, muitas vezes, espelhos de orixás e entidades das religiões afro-brasileiras, permitindo que a religiosidade ancestral sobreviva mesmo sob a imposição do catolicismo colonial.

Desafios na preservação dessa herança

Invisibilização histórica

Por séculos, a contribuição afro-brasileira na construção e ornamentação dessas igrejas foi sistematicamente apagada ou minimizada, reduzindo a presença negra à condição de “coadjuvante” na história da arte sacra catarinense.

Risco de descaracterização

Muitos desses espaços, ao passarem por reformas ou restaurações mal conduzidas, perderam elementos originais que carregavam símbolos afrodescendentes. A falta de políticas públicas de preservação específica para a arte sacra afro-brasileira ainda é um obstáculo.

Resistência cultural

Apesar dos desafios, as comunidades negras seguem firmes na preservação, na transmissão de saberes e na manutenção das festas, das tradições e dos próprios templos, que continuam sendo espaços de memória, espiritualidade e resistência.

Quando fé, arte e resistência se tornam monumentos vivos

Explorar onde encontrar arte sacra afro-brasileira preservada em igrejas históricas de SC é muito mais do que contemplar imagens e altares. É um exercício de escuta, de respeito e de reconhecimento à força de um povo que, mesmo submetido às violências da colonização e da escravização, construiu legados que atravessam séculos.

Cada entalhe, cada pincelada e cada imagem preservada nesses templos conta uma história que não cabe nos livros oficiais, mas pulsa nas paredes, nos cânticos, nas festas e nas memórias que seguem vivas, resistindo, ensinando e inspirando quem se permite enxergar além da superfície.

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